sábado, 23 de fevereiro de 2008


Amor portátil

"Já nada serve tentares enganar-te a ti próprio, jogares para a frente o destino. Acordas numa manhã igual a todas as outras com a certeza que o amor não se repete. Que persistes na vida como uma espécie tolerada que insiste em continuar por aí, alguma coisa que ainda dá sinais de vida e já vai morto, erva arrancada ao caminho, que para algumas coisas ainda serve. Percebes, deitado de costas, com uma irrecusável nitidez que quem amas se quer ver livre de ti para sempre e só ainda tem a piedade ou a pena de não te dizer pelas palavras mais simples. Quer que o descubras por ti e partas por tua livre vontade. Como se tivesses lugar para onde ir. Não ousas tocar-lhe, não ousas dizer uma palavra sequer, choras baixinho para que não acorde. Já não te consegues esconder, tapar com um muro ou um écran de fantasia. Deixou de te amar, uma coisa simples que pode sempre acontecer a quem quer que seja, está sempre a acontecer por todo o lado. Uma coisa irreversível e irreparável e estúpida como um desastre inesperado. Não ousas mexer-te, com receio de ouvires as palavras temíveis. Gostavas que tudo fosse um sonho, um pesadelo, mas sabes bem que não. Sentes tanto medo que continuas imóvel. Não sabes para onde fugir, onde te esconderes. Quem se encontra deitado ao teu lado é o teu perigo, e não tens qualquer esperança, nem vontade, de lhe sobreviver. Sentes só uma dor aguda no peito que vai e volta para se fazer melhor sentir, uma faca que te espetam devagar e com maldade. Quem te amou e deixou de te amar, que se enganou, uma coisa tão simples como isso, tão vulgar como esta, só que és tu que estás ali parado e ferido sem te poderes levantar, sem poderes acabar o que quer que seja ou recomeçar o que quer que seja, nesta manhã igual a todas as outras em que descobres o que já sabias e maldizes a vida que por instantes vos uniu e vos separou."

Pedro Paixão

Fonte da imagem: www.portaldaliteratura.com

1 comentário:

Anónimo disse...

obrigado.
pedro