sábado, 2 de junho de 2007


"Pergunta-me se os seus versos são bons. Pergunta-mo a mim - depois de o ter perguntado a vários. Manda-os para as revistas. Compara-os a outros poemas e alarma-se quando certas redacções afastam os seus ensaios poéticos. Doravante (visto que me permite aconselhá-lo), peço-lhe que renuncie a tudo isso. O seu olhar está voltado para fora: eis o que não deve tornar a acontecer. Ninguém pode aconselhá-lo nem ajudá-lo - ninguém! Há só um caminho: entre em si próprio e procure a necessidade que o faz escrever. Veja se esta necessidade tem raízes no mais profundo do seu coração. Confesse-se a fundo: "Morreria se não me fosse permitido escrever?" Isto, sobretudo: na hora mais silenciosa da noite, faça a si mesmo esta pergunta: - "Sou realmente obrigado a escrever?" - examine-se a fundo até encontrar a mais profunda resposta. Se esta resposta for afirmativa, se puder fazer face a uma tão grave interrogação com um forte e simples "Devo", então construa a sua vida segundo esta necessidade. A sua vida, mesmo na sua hora mais indiferente, mais vazia, deve tornar-se sinal e testemunho de tal impulso. Então, aproxime-se da natureza. Experimente dizer, como se fosse o primeiro homem, o que vê, o que vive, o que ama, o que perde. Não escreva poemas de amor. Evite, de princípio, os temas demasiado correntes; são os mais difíceis. Nos assuntos em que tradições seguras, por vezes brilhantes, se apresentam em grande número, o poeta só pode fazer obra pessoal na plena maturação da sua força. Fuja dos grandes assuntos e aproveite os que o dia-a-dia lhe oferece. Diga as suas tristezas e os seus desejos, os pensamentos que o afloram, a sua fé na beleza. Diga tudo isto com uma sinceridade íntima, calma e humilde. Utilize, para se exprimir, as coisas que o rodeiam, as imagens dos seus sonhos, os objectos das suas recordações. Se o quotidiano lhe parecer pobre, não o acuse: acuse-se a si próprio de não ser bastante poeta para conseguir apropriar-se das suas riquezas. Para o criador nada é pobre, não há sítios pobres, indiferentes. Mesmo numa prisão cujas paredes abafassem todos os ruídos do mundo, não lhe restaria sempre a sua infância, essa preciosa, essa magnífica riqueza, esse tesouro de recordações? Oriente neste sentido o seu espírito. Tente fazer voltar à superfície as impressões submersas desse vasto passado. A sua personalidade fortificar-se-á, a sua solidão povoar-se-á, tornando-se, nas horas incertas do dia, uma espécie de habitação fechada aos ruídos exteriores. E se lhe vierem versos deste regresso a si próprio, deste mergulho no seu mundo, não pensará em perguntar se são bons ou não, não procurará conseguir que revistas e jornais se interessem pelos seus trabalhos, porque gozará deles como de uma posse natural, como de um dos seus modos de vida e de expressão. Uma obra de arte é boa quando nasce de uma necessidade: é a natureza da sua origem que a julga. Por isso, meu caro senhor, apenas me é possível dar-lhe este conselho: mergulhe em si próprio e sonde as profundidades onde a sua vida brota. Só lá encontrará a resposta à pergunta: - "Devo criar?". Desta resposta recolha o som sem forçar o sentido. Talvez chegue então à conclusão de que a arte o chama. Nesse caso, aceite o seu destino e tome-o, com o seu peso e a sua grandeza, sem jamais exigir uma recompensa que possa vir do exterior. O criador deve ser todo um universo para si próprio, tudo encontrar em si próprio e nessa parcela da natureza com que se identificou. Pode acontecer que, depois desta descida em si mesmo, ao "solitário" de si mesmo, tenha de renunciar a ser poeta. (Basta, a meu ver, sentir que se pode viver sem escrever para que não seja permitido escrever). Mas, mesmo neste caso, a introspecção que lhe peço não terá sido vã. A sua vida dever-lhe-á sempre, quanto mais não seja, caminhos próprios. Que esses caminhos sejam bons, felizes e longos é o que lhe desejo como não sei dizer-lhe."
Excerto de Cartas a um Jovem Poeta, de Rainer Maria Rilke